Foi em Roma, na nossa primeira viagem a dois, que adquirimos o hábito e o prazer inusitado de tocar construções antigas com a delicadeza de uma borboleta e a firmeza de um arqueólogo. Qual Indiana Jones, qual quê! E refiro-me ao sentido literal da coisa: pousar as mãos nos monumentos e ficar ali de boca semiaberta e coração palpitante. Felizes simplesmente por sentir uma pedra suja e feia.
Diz o Bruno:
A Daniela sempre lera livros que, com toda a precisão, conseguiam simular o sentimento abundante de transcendência que só uma viagem consegue causar. E talvez por causa de tais livros e leituras, sonhava perder-se por caminhos desconhecidos rodeada de estrangeirismos e de História. Perder-se até alcançar o expoente máximo da sua existência – e ser capaz de existir, por momentos, numa cápsula intemporal que lhe mostrava o Mundo ao longo de séculos num só pestanejar. Depois de cada livro, seguia-se um balbuciar de ideias, novos conceitos, sonhos e histórias com os quais enchia os meus dias num fervilhar constante de contos e ditos. Dizem que as mulheres falam muito e a minha não é excepção. Como bom ouvinte que sou, acredito que fui o primeiro de nós dois, a interpretar os desejos que aquelas palavras escondiam – quando me falava de Bourdieu, Durkheim ou Eliza Sommers – e assim fui o primeiro de nós dois a transformar palavras soltas e sonhos falados em verdadeiros planos. Com direito a cronograma, calendário de poupanças e orçamento. Anos mais tarde, ela iria dirigir-se a mim como sendo o homem que transforma sonhos em tabelas de Excel – e por mais que a expressão seja meio sem graça, parece-me poesia.
Diz a Daniela:
« Imagina como seria se cada monumento fosse uma máquina do tempo. Imagina como seria se pudesses sentir, perceber, ver e assimilar toda a História do Coliseu simplesmente por tocá-lo. Numa fração de segundo, como por magia.
Eu toco as rugosidades da pedra e quase consigo sentir o suor dos escravos que o elevaram, a coragem dos gladiadores que ali deixaram de ser homens comuns para ser heróis humilhados e vilões corrompidos, os aplausos de uma plateia sanguinária, os murmúrios de conspiração de uns e outros a propósito de imperadores e terras distantes. Eu toco as rugosidades desta pedra milenar e quase consigo estar lá, por um milésimo de segundo vou e volto, viajo milhares de anos e sou arrebatada por filosofias como as de Marco Aurélio. »
Desde então, embora eu ainda não o soubesse, ele iria fazer da sua missão pessoal levar-me a conhecer todas as “máquinas do tempo” que este Mundo esconde, para que os dois pudéssemos pousar as palmas e viajar pela História.